terça-feira, 28 de agosto de 2007

LETRAS ILETRADAS


Ileso

E mais uma vez
O começo de tudo
Se tornou o ponto mais forte
Do romance fútil
Circunstância da sorte?
Esperança inútil?

Volta a procura obscura
De tão gasta, minha cura
Tornou-se um manifesto
Não sei se sou ingênuo
Mas sei do que é resto:
O início verdadeiro
Agora é vício rotineiro

Calaram mais uma vez
Minha crença, desavença
Não tem quem me convença
Do erro da entrega
Minhas palavras são severas
Resultado da minha fuga
Resultado inseguro
Contrário ao que eu juro

Te tive tão pouco
Mas meu coração oco
Se envolveu assim
E não foi trapaça
Nem quis ameaça
Ao longo do sim
Eu espantei caça
Conselho de graça
Não serve pra mim
Me livra da farsa
Se sou o comparsa do fim

Mas sigo em frente
Ileso, como sempre
Um tanto descrente
Confesso, tão ausente
Que nem me surpreendo
Fico indiferente
Triste, e em transe
Por uma nova chance

letra véia bagarai, de uns 4 anos atrás, mas que volta e meia recupera o sentido

terça-feira, 21 de agosto de 2007

PAPOS & SOPAPOS


- Ontem passou Rocky na TV, do caralho!
- Rocky? Pfff..
- Qual é problema?
- Filmezinho besta, não tem profundidade.
- Ah é sabichão?
- É sim. Sem conteúdo. Eu não aprecio coisas assim não.
- E o que você assiste então?
- Eu só assisto filmes culturais, artísticos, que me façam entender o mundo que eu vivo.
- Tipo?
- Ah você não os conheceria...
- Cita um pelo menos.
- É que não me lembro dos nomes, são muito complicados...
- Sei, sei... Então pelo menos me conta a história.
- Falam sobre pessoas ausentes umas das outras nesse mundo caótico e globalizado, sobre como o capitalismo age na vida das pessoas, tornando-as fúteis e alienadas, sobre como somos todos frutos de uma mesma manipulação.
- Parecem bem interessantes.
- Mas você não os entenderia.
- Obrigado pela sinceridade.
- De nada.
- Bom, vamos ou não vamos?
- Vamos de uma vez. Qual você prefere?
- Aquele com as tetas pra fora. Comi ele na semana passada e nem deixou eu gozar naquela cara barbada dele, filha da puta nojento.
- Beleza, vê se não tem alguém por perto que eu vou pegar o galão de gasolina e você empurra o travecão pro beco.
- Que merda, pensei que hoje fosse na muqueta...

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Criatividade, criativa idade.


Acho que a primeira vez foi quando eu tinha uns 6, 7 anos. Eu era viciado em desenhos animados de todos os tipos e temáticas e, no ócio que somente essa idade proporciona com tanta desenvoltura, resolvi fazer um teatrinho com bonecos desenhados a giz de cera. Após um suculento almoço dominical de família, apresentei o espetáculo para todos e foi então que a palavra, que tantas vezes me acompanharia ao longo de minha existência, brotou em uníssono:

- Quanta criatividade!!

Nunca mais fui o mesmo. Naquele momento em que até meus tios mais velhacos e ranzinzas, ainda com a boca entupida de toicinho e couve, grunhiram essa sentença, vi como a criatividade agia de forma tão certeira e intensa a cada pessoa. Para mim, ela se tornou sinônimo de alegria, aceitação e reconhecimento. E a partir dali quis sempre me esforçar em buscar uma alternativa original para tudo que me cercasse. Com 6 ou 7 anos um pensamento desses só pode resultar em travessuras, e comigo não poderia ser diferente. Chicletes se tornaram esculturas, cabelos foram colados, enciclopédias se tornaram carvão, e uma infinidade de peraltices se acumulou no meu currículo de pequenas felicidades. Lógico que, como toda pretensão infantil, essa também logo se viu cercada de sucessos e frustrações. Não raro criatividade se transformou em outros “ades”: hiperatividade, crueldade, espontaneidade, liberdade.

Na adolescência, toda essa gana em procurar soluções não-óbvias me sanou de uma terrível dissidência da minha personalidade: a timidez. Afinal já se escreveu, gesticulou e proclamou, por todos os meios possíveis, o quanto essa época é complicada e intensa. Primeira vez de quase tudo, para o bem e para o mal. E as enrascadas se enfileiraram no meu caminho: amigos que a solidão implorava fazer, garotas que o coração queria ter, lugares que não conseguiria esperar mais tempo para conhecer. Vai, caichola, funciona! Apelidos criados, desculpas inventadas, surpresas realizadas, palavras aos montes, aos ouvidos, ao vento. E não é que eu sobrevivi? Santa criatividade...

Chegou a fase adulta, quando tudo é muito prático, e essa palavrinha mágica dá a impressão de ficar meio grogue, jogada num canto, ou mesmo trancafiada. Mas peralá! Ela tem sido tão bendita em todas as fases da minha vida... Então por que não convertê-la em ganha-pão? E cá estou eu, estudando publicidade para fazer da minha imaginação um instrumento de trabalho. Claro que nada é tão simples assim, ainda preciso comer muito feijão com arroz mais toicinho e couve e outras guloseimas pra ganhar todo o “know-how” de marketing, briefing, e-commerce, brainstorm and etcetera. Mas já posso arriscar escrever textos que nem esse, devendo em criatividade, mas transbordando em vontade de ser mais criativo. E quem sabe alcance sucesso nessa empreitada e me satisfaça profissionalmente. Tomara, mas ao menos consigo o mais importante: continuar em sintonia com aquele garoto travesso e com aquele adolescente tímido que formam a melhor parte de mim.