segunda-feira, 14 de abril de 2008

Penso, logo desisto.


Uma das coisas que mais me cansam são discursos que apelam pra reflexões preguiçosas, genéricas, lugares comuns que acabam pulverizando toda e qualquer análise diferenciada. Sabe aquela coisa do tipo "vou votar em X pra Y não ser eleito", "se eu não entendi o filme, é óbvio que ele não é bom". "big brother é programa tosco e tudo ali é manipulado", "capitalismo e du mau, socialismo é ultra-legal e anarquismo é, uhúúú, animal", "bandido bom é bandido morto", e outras papagaiadas que estacionam no ponto final? Elas estão presentes em toda parte, vão sendo passadas em um telefone-sem-fio infinito como uma mensagem rasa que nunca precisará de revisão, e seguirá seu rumo às bocas variadas, sedentas por serem ouvidas, clamando igualdade geral, mas ao mesmo tempo incoerentemente rezando por algo que as façam serem distintas do resto do rebanho.

Curioso como as pessoas tem necessidade de soarem profundas aos olhos alheios. No fast-food ideológico que virou a vida moderna, não há mais tempo de ponderar, procurar outros ângulos de visão que batam de frente com aquele que, a princípio, se pense ser a verdade absoluta e imaculada. Todo mundo precisa ter opinião própria, mas que não transgrida o embasamento num consenso ou na maioria de votos. Nessa Era em que a privacidade é exterminada, cada dia mais, em nome da falta de identidade e destruição da autenticidade, é conveniente buscar os apontamentos levantados que não vão ferir qualquer interpretação que borrem a imagem (o que não é a tal da responsabilidade social senão isso mesmo?). Todos tem pressa de tudo, todos tem que viver a vida profundamente a cada instante, pois o progresso elevado às ultimas consequências e o consumo desenfreado estão aí pra maquiar qualquer desespero e sentimentos difusos. Parar pra pensar? De jeito nenhum, a vida segue e não podemos perder tempo com bobagens! Não tem uma opinião que é mais rápida e indolor? É essa mesma que eu quero.

Um exemplo pertinente: quantos não propagam por aí, com ar estufato no peito e toda a pose de quem registrou a sabedoria em cartório, que determinada arte é imbecil e que se ele fizesse todo mundo o taxaria de idiota, mas como foi um sujeito renomado que fez, a consagração é obviamente aceita de bom grado? Para esse indivíduo, um olhar rápido, num piscar de olhos, numa fração de tempo, já basta pra colocar determinada estética, linguagem ou estrutura na latrina junto com o xurume e as moscas varejeiras. Afinal, num mundo totalmente interconectado, em que a informação está ao alcance de um clique pra quem tiver disposição de procurá-la, há um dono supremo da verdade em cada esquina. Levar em consideração preceitos de contextualização, de mentalidade vigente de uma época, de esquematização das relações sociais, assimilação de descobertas científicas e mais uma caralhada de apontamentos não valem de absolutamente nada. O tempo urge, e a necessidade de transparecer conhecimento é equivalente, apenas, à de mostrar que está "in", antenado, tudo nos conformes. Passou disso, já é aborrecimento desnecessário.

A impressão gerada por qualquer coisa é indivídual, obviamente. O alicerce dessa mesma impressão só pode ser moldada e/ou repensada pelo próprio indivíduo, e é claro que ninguém é obrigado a gostar ou odiar de tudo o que aparece pela frente. O problema ocorre quando se emite valor de juízo sobre determinada obra ou manifestação, sem ao menos considerar outras formas de avaliar a intenção, o papel dentro de um parâmetro (seja social, temporal ou de qualquer natureza) ou definição daquele mesmo objeto a ser desprezado. Lugar comum mais grave que a pura rejeição sem grandes ponderações, somente o extremo disso, ou seja, atuações fortemente preconceituosas (beirando a fascistas em casos extremos) em meio a um mar de hipocrisia politicamente correta. Julgamentos e preconceitos são condições inatas ao ser humano, mas não o que fazemos delas e como as administramos no modo de viver coletivamente.

O "ter", que até pouco tempo era o que estabelecia quem se julgava maior que o outro, foi substituído pelo "conhecer". A princípio, isso parece positivo, afinal uma sociedade informada tende a ser muito mais preparada para superar seus problemas. O porém é que esse "conhecimento", além de não ter compromisso nenhum com profundidade, continua a tradição anterior das posses, servindo mais como um emblema do que como indagação. Quem tem dados e estatísticas na ponta da língua já está um passo adiante nessa nova forma de divisão de classes provocada pela esfera digital. Infelizmente, isso faz o que há de mais essencial desaparecer, ou seja, o senso crítico. A supremacia dos fatos sobre o pensamento cria essa cisão entre a limitação e a procura novas alternativas e análises. O resultado é uma geração que é informa(tiza)da por diferentes meios (geralmente em colocações simplistas pra não causar grande desconforto), e se acha muito fodona por causa disso, mas não tem um pingo de discernimento pra questionar as verdades "imutáveis" que são regurgitadas em suas bocas, olhos e narizes.

E como tudo chega fácil para esses membros da sociedade, a letargia prevalece sobre a interrogação. Os argumentos minimamente lógicos já são calcados ao posto de leis. E assim é muito simples fincar, pra esse contigente, o que é certo e o que é errado, o que deve ser obedecido e o que deve ser ignorado, a doutrina das escolhas corretas, o comportamento padrão e a ridicularidade de ser diferente. Façamos o dever de casa e ao invés de fazer comédia com leis, vamos é ser o tema da comédia. Complementamos o nosso vazio com a necessidade de termos salvações que surjam dos céus pra nos tirar das trevas, sejam elas políticas, religiosas ou idealizadas, e esquecemos de disciplinar a nossa própria maneira de reter a complexidade do mundo. Porque quem acha que a vida é feita de respostas fáceis, que basta pensar "vou ser feliz" que um anjinho já vai descer de um arco-íris trazendo sorrisos e trufas de chocolate, e que definições jogadas ou pegas de sopetão são capazes de nos trazer respostas pra atingir paz e harmonia conjunta, devia parar de assistir Ursinhos Carinhosos e começar a procurar novas maneiras de absorver o que os dias nos trazem, não só em termos utilitaristas, mas em pontos bem mais amplos. Prefiro pensar que não, mas se felicidade é sinônimo desse triunfo do simulacro, rasura e conformismo, deixo ela para os bobos-da-corte de plantão.

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